segunda-feira, 6 de junho de 2016

Memória, religião e conhecimento

Para mim, um tema central é a memória, que abordei inclusive no meu TCC. Até agora, porém, tenho tratado o assunto a partir do aspecto verbal, linguístico e imagético, ou seja, para desenvolver a linguagem pessoal é importante o estudante enriquecer a sua memória com poemas e outros textos mais e, para ampliar a imaginação, é preciso ver muitas imagens, seguindo aquele célebre pensamento de Leibniz muitas vezes repetido pelo professor Olavo de Carvalho, que o homem que visse a maior quantidade de figurinhas se tornaria o mais inteligente. Entretanto, a memória e o esquecimento são temas importantíssimos das antigas religiões, como o budismo. Lembrar-se da origem é libertar-se, esquecer-se dela é escravizar-se. É possível que as concepções do estudo, na China, que segundo Paul Monroe era de recapitulação, em que a educação consistia predominantemente em memorizar os livros sagrados, o suprassumo da sua Literatura, no Egito, até mesmo em Israel e em outros lugares, se fundamente nessa base religiosa, de modo que a educação é um meio de fazer o indivíduo lembrar o que é de fato importante, para libertar-se da ignorância, para vencer o esquecimento, que é a condição natural desta vida. Se, como mostrou o Mário Ferreira dos Santos no seu livro "Filosofias da afirmação e da negação", Pitágoras, Platão e Aristóteles criam que o conhecimento é uma espécie de rememoração daquilo que está já presente na alma, mas está esquecido, sendo lembrado a partir dos dados dos sentidos, então a condição humana é de esquecimento desde quando nasce e é preciso, através dos estudos, relembrar. Para encarar a educação sob esse aspecto não é preciso aceitar a crença de que o conhecimento traz a salvação do homem, como o gnosticismo afirma. Não sei também o quanto a visão cristã se harmoniza, nesse aspecto, com a de outras religiões. 
Sei que neste texto podem ter muitos subentendidos, que exigem mais tempo para ser explicitados. Por isso, estou apenas registrando o pensamento para futuro desenvolvimento possível.

O livro, uma partitura a ser executada

Todo livro é como uma partitura a ser executada. Em dois sentidos, pois nós precisamos de realizar o seu conteúdo na nossa imaginação para o compreendermos, caminhando dos conceitos expressos até as experiências reais ou análogas que proporcionaram ao autor escrevê-lo, e porque todo livro encerra em si a potência sonora das palavras que o compõem, ou seja, todo livro pode ser lido em voz alta. É de admirar que as pessoas, no geral, nunca atinem com esse aspecto, fazendo leituras sempre em silêncio, não chegando a desconfiar que a obra que está em suas mãos é um mundo de sons a ser atualizado.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

A palavra, instrumento de trabalho do poeta

Dizzy Gillespie pintado por Leonid Afremov

O poeta lida com a palavra, ela é o seu instrumento de trabalho, mas a poesia não é apenas uma combinação de vocábulos, de frases, de estrofes, de sons de um modo geral; ela é a manifestação do mundo, da realidade, da estância espiritual na arte. O poeta, como o pintor, tenta verter a vida real para a obra de arte, congelando as imagens, as impressões, para torná-las o mais duradouras possível, como um escultor, que talha na pedra a beleza de uma jovem, no intuito de eternizá-la o quanto possível. O original envelhece, perde as formas, mas a estátua fica. Entretanto, o poeta não é um criador de ídolos, feitos para serem adorados enquanto objetos sem vida. O poeta tenta criar janelas permanentes, por onde as inteligências acessem o mundo espiritual ou, dito de modo mais direto, ele tenta criar símbolos para enriquecerem nossa imaginação e alimentarem nossa inteligência. Para tanto, ele precisa estudar e ter contato com coisas que não são poesia, nem são palavra, como pinturas, músicas e, evidentemente, a realidade.

Para fazer uma comparação, um músico (digamos um Dizzy Gillespie, um Victor Wooten, um B. B. King) se tornou grande porque treinou muito, estudou muito o seu instrumento, procurando descobrir novas maneiras de executá-lo e tirar dele os sons possíveis, e novas combinações. Ele teve que estudar, e as informações, os conhecimentos, não são materiais, não são sons, eles são espirituais. Analogicamente, o poeta precisa estudar muito, buscando novas formas de dizer, novas combinações de palavras, porém não pelas combinações em si, mas pelos efeitos espirituais que a sua poesia poderá causar.