quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Uma tarde no Parque Moscoso

Hoje estive no Parque Moscoso, belo e velho parque da cidade de Vitória, Espírito Santo. No portão de entrada, uma mulher aguardava qualquer coisa que ignoro, um velho senhor saía com seus passos levemente desconjuntados e eu entrava desejoso de repousar no meio da beleza da natureza e das possíveis reflexões. Entrei pela estrada central, a mais larga, lançando um olhar talvez vagamente enfastiado e desprezante para o mapa do lugar, porque, apesar de não ter pensado no assunto até aquele momento, não foi difícil me resolver a ir ao lugar de sempre, meu canto preferido. Atravessei a pontezinha sobre um trecho do lago das tartarugas, peixes e garça e sentei-me num banco de madeira que estava vazio, pois os outros já tinham seus ocupantes. No mais distante estavam dois namorados desfrutando da presença um do outro e dessa comunhão que os corações apaixonados experimentam (Ó raios! Deixem-me ser um pouco romântico, porque o romantismo existe entre nós). Num banco mais próximo, mas no lado inverso de onde eu estava, haviam duas mulheres, possivelmente mãe e filha, com uma criança de três ou quatro anos. E no banco mais próximo um homem de pele escura, talvez refletindo sobre o que quer que seja ou simplesmente deixando-se estar.
Assentado, fiquei reparando principalmente nos sons que muitas crianças, se divertindo, faziam nos brinquedos atrás de mim, a uma distância de uns 20 metros. O aço das juntas dos balanços rangiam insistentemente com um som agudo, muitas vozes altas se alegravam, vivazes. Ao redor, pássaros cantando. No topo de uma árvore bem alta, um deles fez um voo: suas asas grandes se delinearam bem contra o fundo azul claro e brilhante do céu. Reparei então os prédios por trás dos galhos finos e altaneiros dos arvoredos, um avião passou e se escondeu atrás dos imensos blocos de concreto, de arquitetura entre velha e moderna. Esta é Vitória, que levarei na memória quando estiver em outros lugares. Este é o Parque Moscoso, que faz parte da vida de inumeráveis pessoas, como eu, que desde a infância conhecem-no bem e têm saudades de como era antes, com seus jacarés, trenzinho, carrinhos dirigíveis, apresentações de cantores na Concha Acústica, fotografias hoje guardadas em álbuns velhos, tiradas por fotógrafos tradicionais, que se escondiam atrás de grandes câmeras, sob negros panos, e registravam para o futuro os rostos queridos, enrugados, que não vemos mais, e as faces lisas e sorridentes de amigos que não sabemos por onde andam, a singela mãe grávida do irmãozinho, o pai que soube proteger a família e garantir que tudo desse certo.
Virei-me para o lado e não pude deixar de notar a indiscreta atitude "amorosa" entre dois pombinhos (eram pombos mesmo e, bem, pombos não precisam de discrição), a fêmea branca e o macho malhado-escuro. O casal de namorados, no banco distante, agora se beijava carinhosamente e eu comecei a perceber a alegria que envolve esse parque, ainda hoje. Desviei os olhos um pouco, no começo, mas depois mais. Levantei-me, atravessei a pontezinha novamente, fiz questão de passar perto do antigo fosso dos jacarés e vi, num banco, uma mulher amamentando a sua criança, bem ao estilo dos quadros de Madonas; do lado oposto, outras duas mulheres cuidando de uma garotinha de 1 ano, mais ou menos, e intui, de repente, que ali havia sinais de amor por todos os lados, inclusive na multidão de crianças que brincavam nos balanços, rodas e outros trecos divertidos, porque estavam ali devido ao amor que seus pais tiveram entre si. Que puto romantismo maravilhoso tem a vida!
Mudei de direção, vi os bustos do "Pai da Aviação" Santos Dumont, do "humanitário médico Pedro Feu Rosa" e de Darcy Monteiro, um "Monumento à Bondade". Passei numa lanchonete e saí em direção ao centro da cidade, continuando as reflexões, com o coração cheio daquele sentimento de história da vida e da existência.

domingo, 11 de outubro de 2015

Exame de consciência

Toda a descabida pretensão de estar perto da santidade vai embora no exato momento em que o homem comum faz um exame de consciência, listando todos os pecados que cometeu na vida. Na verdade, nem mesmo a autoimagem de um homem bonzinho sobrevive. Examinando a vida que levou desde o princípio, o indivíduo entende de maneira pessoal, e não somente no discurso, que "todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus". Além disso, a percepção da própria miséria surge vívida perante os olhos pelo simples fato de não conseguir contar o número de vezes que pecou mortalmente. Porca miséria! É quando a pessoa descobre, de modo existencial, a sua falibilidade e a sua miséria que ela se instala na própria realidade, assumindo a sua condição.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Poeta existencial

Escrever poemas e publicar livros se torna algo secundário diante do amor da sua vida, a pessoa há tantos anos aguardada que se realizou na sua frente, porque o poema mais belo e mais significativo é aquele feito de realidade, de dia-a-dia, escrito com atitudes, sacrifícios, escolhas e palavras da boca. Encher a vida da mulher amada de beleza, cultivando-a com a poesia do carinho e do afeto, e prepará-la para encontrar com Nosso Senhor é uma missão muito mais excelente que escrever livros para pessoas distantes e desconhecidas. Essa maneira de ser poeta faz com que você busque não versos decassílabos heroicos, mas atitudes heroicas, não maneiras diferentes de dizer, mas modos eficazes de fazer, não jogos de palavras, mas combinações de ações, não termos graciosos, mas meios de fazer sorrir, não aventuras imaginadas, mas epopeias verdadeiras, em que o poeta não fantasia guerreiros fabulosos, mas é obrigado a sê-los a cada momento. Escrever poemas na folha da existência é incomparavelmente melhor do que escrevê-los em papel perfumado ou pergaminho antigo, embora seja possível compor poemas grandiosos na realidade e transpor alguma parte deles para os livros.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Pierre Olivier Joseph Coomans

Nasceu em 18 de julho de 1816, em Bruxelas, Bélgica, e faleceu em 31 de dezembro de 1889, em Boulogne Billancourt.





























terça-feira, 6 de outubro de 2015

Olhar urgente

Absorver a linguagem literária é quebrar, na própria mente acorrentada, os circuitos da linguagem imediata brasileira e da televisiva, de modo a ser capaz de imaginar e dizer coisas diversas dos lugares-comuns e slogans publicitários que circulam no nosso país. Estar preso a essas formas verbais precárias - jargões universitários inclusive - é não conseguir ter outras idéias senão as que foram apresentadas por pessoas muitas vezes mal intencionadas ou estupidificadas e não dispor dos meios de contar a própria vida para si mesmo, o que, pensando bem, é uma coisa horrível. Por isso, a arte suprema de dizer, a Poesia, é da mais alta importância para nós. Entretanto, no Brasil de hoje, infelizmente ela é a arte mais desprezada de todas (ou uma das mais), encarada comumente, por gente simples e por acadêmicos, como mero jogo de palavras com intuito unicamente diletante, uma diversão com palavras que não tem o mais mínimo alcance espiritual. É urgentemente necessário olhar a Poesia numa perspectiva diferente.

sábado, 3 de outubro de 2015

Recapitular para criar

A educação na China antiga baseava-se na memorização dos livros sagrados, porque os chineses os consideravam como o ápice da mais alta Literatura. Nos primeiros anos de estudo, o aluno tinha como tarefa quase exclusiva a de memorizar os trechos que o professor selecionava. O aluno pegava o livro, numa sala que poderia ser improvisada até debaixo de uma árvore, ia para o seu canto e recitava inúmeras vezes, de maneira rápida, o trecho escolhido. Quando julgasse suficiente, entrega o livro ao mestre, virava de costas e recitava-o sem nenhuma falha. Essa atividade predominava nos primeiros anos de instrução e a educação chinesa se fundamentava na absorção da linguagem literária sagrada. No final do processo educativo, um homem era considerado educado se fosse capaz de se expressar nessa mesma linguagem. Por isso, Paul Monroe chamou a educação chinesa antiga de "educação como recapitulação".
Imagina isso no Brasil hoje. O menino pega a Bíblia, vai para o canto da sala e recita um Salmo até fixá-lo plenamente na memória. Impensável para o ensino público! Memória e Religião Cristã são duas coisas que a educação brasileira despreza solenemente, não obstante toda a Literatura Ocidental estar de alguma maneira presente já nas Sagradas Escrituras.
Na China antiga, as preocupações com a sala de aula eram secundárias, mas no Brasil é o primeiro tema que os professores e afins lembram de reclamar quando se trata de melhorar a educação. Datashow, equipamento de som, quadros negros, brancos ou digitais se tornaram coisa de primeiro plano, quando, na verdade, tudo isso pertence a uma parte menor do ensino, embora tê-los, evidentemente, não seja coisa negativa.
Alguém poderia objetar também que uma educação apenas recapitulativa não é educação de verdade, porque deveria formar pessoas críticas e criativas, não meros repetidores. A questão, assim, estaria mal colocada, porque recapitular os textos sagrados não é agir meramente como uma máquina automática, mas aplicar ao aqui e agora o que de mais elevado se produziu durante milênios. Considerando, entretanto, o que essa questão pode ter de verdadeiro, posso dizer que a parte recapitulativa é indispensável para a formação de pessoas criativas e que sejam capazes de pesar com justiça o que se apresenta no dia-a-dia. É recapitulando a alta cultura que o estudante pode se preparar para compreender e produzir algo de importante na cultura de hoje. Sem isso, ele terá de reinventar a roda por diversas vezes e muito provavelmente não vai alcançar as alturas do conhecimento produzido por gigantes durante a história.
Repetir, memorizar, recapitular é, portanto, indispensável para criar e julgar justamente.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Matrimônio esplendoroso

Uma das coisas mais bonitas desta vida é a união conjugal, que se dá sob as bênçãos do matrimônio. Os cônjuges alegremente se entregam um ao outro de modo pleno, amoroso e honesto, tendo a firme determinação de amar o companheiro até o fim desta vida terrena e mesmo depois dela. É no sagrado matrimônio, no ventre da mulher, que acontece o contínuo milagre da criação. Um novo ser, antes inexistente, recebe o dom da vida e surge para um mundo que não o conhecia, trazendo uma identidade irrepetível, com seus jeitos singulares e um rosto imprevisível. Essa nova alma terá sua história, um desenvolvimento de proporções incalculáveis, vivendo um drama de dimensões supraastronômicas, pois a salvação e a danação estarão em jogo, o céu e o inferno. O universo inteiro passará, mas uma só alma não terá fim, de modo que essa nova criatura, gerada no cenário movente da criação, o ventre feminino, é maior do que todo o universo físico, com todas as suas incontáveis e esplendorosas galáxias. Por isso, não podemos medir a grandeza e maravilha que é o ato conjugal entre duas pessoas que verdadeiramente se amam e se entregam eternamente no sacramento do matrimônio. No leito sem mácula, acontecem coisas mais importantes do que os astros em suas órbitas, as estrelas gigantescas, os imensos sóis e tudo o mais que forma a parte física do cosmos. Infelizmente, muitas pessoas hoje não chegam a sequer imaginar essa gloriosa dimensão do sexo e, mais amplamente, do amor verdadeiro.