segunda-feira, 25 de abril de 2016

Leitura em voz alta: um exercício físico

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Para quem deseje desenvolver a capacidade de dizer as coisas de modo claro, vigoroso, vivaz, harmonioso e desenvolto, acredito que o melhor a se fazer é ler muitos textos em voz alta, porque nesse tipo de leitura o leitor produz um fenômeno físico, o som, que entra pelos ouvidos e fica registrado na memória, diferentemente da leitura silenciosa, em que os sons das palavras são puramente imaginados. A leitura silenciosa é melhor para penetrar mais calmamente nos sentidos do texto, porque não há a preocupação com o esforço físico feito na leitura em voz alta. Esta, porém, grava mais inteiramente a forma das palavras e frases na memória do leitor.

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A leitura em voz alta é extremamente prazerosa e produtiva. O problema é que ela cansa, diferentemente da leitura silenciosa, que pode ser feita de maneira ilimitada. A leitura em voz alta é um exercício físico.

Ação positiva e ação negativa

O sábio não é aquele que nunca intervém em nada, agindo sempre pelo não-agir, deixando a natureza seguir o seu curso, sem se importar para onde ela esteja indo. O sábio é aquele que intervém, interfere e age de diversas formas, inclusive se omitindo significativamente em certos momentos, de modo a produzir grandes efeitos. Em suma, o sábio não é o que nunca intervém, mas aquele que sabe combinar a intervenção e a omissão para conseguir os melhores resultados.

A obra literária e o seu potencial

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A obra literária, quando cai na mente, não desperta de imediato idéias que possam ser afirmadas conceitualmente, como faz um texto científico em que os conceitos já aparecem prontos. Ela preenche a imaginação possibilitando que eles surjam depois. Em certos momentos, porém, ela produz insights preciosos no instante mesmo a leitura, abrindo novos horizontes de consciência e completando o que faltava para compreender certos conceitos já memorizados.
A imaginação é a porta de entrada da inteligência humana. Nela se reúnem os dados da experiência, que se organizam em imagens. Posteriormente essas imagens, se depuradas, tornam-se conceitos. Somente então é possível discorrer conceitualmente sobre um tema da obra literária. Esta é um símbolo que abre a inteligência para a compreensão de novos pedaços da realidade que não faziam parte desse microcosmo imperfeito.


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Por isso, no início dos estudos, em que a absorção literária e artística predomina, o estudante pode ter a impressão de não ter feito muito progresso, porque não se sente capaz de enunciar conceitos e falar sobre muitas coisas, salvo relatar o que leu, viu e ouviu. Mas essa impressão de estagnação é falsa, porque ele está firmando as bases de um edifício intelectual que poderá ser grande. Ele precisa ter paciência e prosseguir na sua preparação.

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Uma palavra não apresenta para o ouvinte todo o seu conteúdo de maneira instantânea, como um quadro que aparece inteiramente perante os olhos do observador. Para pintar o pensamento ao interlocutor, é necessário discorrer por cada parte.

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A poesia se caracteriza por tentar dizer uma imensidão de coisas com o mínimo de palavras, contando com a habilidade do leitor de descriptografar as metáforas e versos, enquanto as outras modalidades de discurso procuram discorrer mais demoradamente sobre cada parte do pensamento. Sonetos e outros poemas são por natureza condensados de sentidos, mas nada é tão breve e tão abrangente como as sentenças dos sábios.

Música, estrutura mental, comportamento motor e ruídos infernais

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Na Antiguidade, a música era uma criação dos deuses e tinha o poder de trazer equilíbrio e harmonia à pessoa, sintonizando-a com a ordem cósmica. Os antigos olhavam a música com uma forte ênfase moral e educacional, porque sabiam que ela agia de maneira marcante sobre esses aspectos do homem. Hoje, porém, as pessoas não têm o mesmo cuidado e se expõem a barulhos que certamente escandalizariam
gregos e romanos.


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A audição é um ato físico operado pelo ouvido, mas submisso ao cérebro, de modo que se ouve os sons apresentados segundo a estrutura cerebral, ou seja, segundo à educação sonora recebida. A audição de uma pessoa se adapta à sua língua materna, conformando seu cérebro à arquitetura do idioma. Para certos fonemas de línguas desconhecidas, o ouvinte pode ser "surdo". Daí ser muitíssimo importante tomar cuidado com as músicas que as crianças escutam, uma vez que elas estruturam sua mente.

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As músicas e os diversos sons que uma pessoa escuta influem sobre o seu comportamento motor. As crianças ouvem música e se movimentam conforme o ritmo. Os adultos também, mas às vezes podam a espontaneidade por motivos sociais.

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Já de madrugada, lendo Mário Ferreira dos Santos, paro para prestar atenção no que se passa numa festa próxima da minha casa e percebo que o que ouço não é sequer música, mas uma sequência infernal e alucinante de barulhos horríveis, e isso não é uma figura de linguagem. Funk é o que existia tempos atrás. Hoje as pessoas se reúnem para se endoidecerem com ruídos incompreensíveis.

Ensino do Português e Cidadania

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Ensinar Português para que os alunos sejam capazes apenas de ser bons cidadãos me parece um objetivo secundário, menor, se inserido na escala de possibilidades do aprendizado da língua. A linguagem serve para a ampliação e manutenção da consciência. Educar somente para a cidadania é conformar o aluno a uma sociedade determinada, enquanto educar para abri-lo a outras épocas e nações, à grande conversação dos sábios de todos os tempos e à realidade mesma, é fazê-lo superar a própria situação social imediata e abrir-se para o transcendente.

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Cada estudante precisa se tornar capaz de transmitir e comunicar os seus pensamentos a outros membros da sociedade e ser hábil para ler e compreender os textos que circulam num país, mas isso não deve ser a aspiração máxima do ensino da língua, senão uma consequência inevitável da busca da consciência através da linguagem.

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Um cidadão pode repetir lugares-comuns e clichês sem nenhuma correspondência com o real, mas úteis para a manutenção da sociedade em que vive, enquanto um homem que busca o mundo espiritual através da linguagem se libertará desses esquemas falseantes e aprenderá a dizer, na medida do possível, a realidade que vê com os próprios olhos.

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O ser humano não conversa apenas com os outros seres humanos, seus concidadãos, mas consigo mesmo e com Deus, de modo que a linguagem serve para que ele se conheça a si mesmo e para a oração, uma vez que ela pode esclarecer a sua visão de si.

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Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, competência linguística é a capacidade de utilizar a "língua" de determinada comunidade, sem necessariamente ser a norma culta, ou seja, a variante linguística da comunidade pode conter erros gramaticais que o falante ainda é considerado linguisticamente competente.

O termo "comunidade" é significativo, porque não se trata de uma nação, mas de um grupo social determinado, seja classe, clube, bairro, etc. Um cidadão linguisticamente competente não é mais aquele que domina a língua nacional, mas que sabe utilizar as formas linguísticas de um grupo.

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Se cada classe social tem a sua variedade linguística e não podemos ensinar uma só Gramática para todas, fica mais fortemente estabelecida a divisão. Em vez de eliminar as classes, esse modo de pensar as estabelece, em vez de desfazer as diferenças linguísticas, as enfatiza.

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As regras gramaticais não são arbitrárias como muitos possam pensar, mas têm sua razão de ser na correta expressão do pensamento. Erros gramaticais são obstáculos à comunicação.

Conversação

Na conversação, a virtude máxima é a sobriedade. A conversação é uma grande oportunidade de estabelecer amizades, de comunicar ideias, de desenvolver a capacidade de expressar os pensamentos de maneira clara, seja quanto à dicção, seja na própria composição das frases. Não se deve fazer analogias forçadas, saltando de um assunto para outro através de ligações muito tênues. É preciso conversar sobre o que se fala, evitando o excesso, pois os outros interlocutores também querem participar. Não se deve perguntar coisas muito íntimas nem expor gratuitamente a própria vida. Brincadeiras e gracejos têm o seu lugar, mas devem ser utilizados com moderação, se o interlocutor der abertura. Ao se discordar de alguma ideia, é preciso fazê-lo com respeito e delicadeza e, quando se precisa interromper alguém que conta uma história por causa de uma necessidade urgente, deve-se despedir-se mostrando seu desagrado em partir e não poder ouvir o resto da conversa. 
Essas e outras dicas foram dadas por Mário Ferreira dos Santos no livro Práticas de Oratória, mas ele estava falando, evidentemente, de conversações em circunstâncias normais, entre pessoas respeitáveis, pois hoje em dia certas conversas só podem ser terminadas com palavrões e desaforos.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Energia psíquica, organização e vida intelectual

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Há uma quantidade de força psíquica que nós podemos gastar nas tarefas diárias. Se tentarmos fazer muitas coisas, terminaremos o dia exaustos sem ter feito muito progresso, mas se estabelecermos um foco, planejando nossas ações, gastaremos nossas energias nas coisas certas e, no final, veremos que fizemos bastante. O pouco acabará sendo muito.

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Não dá para fazer tudo num dia, num mês, num ano. É preciso deixar algumas coisas para o outro dia, outro mês, outro ano e até para a outra vida, porque quando alguém quer fazer tudo, então é que não faz nada.

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Santo Tomás de Aquino produziu uma obra arquitetônica, mas no fim da vida reconheceu que aquilo não era nada perto do que ele agora entrevia. Ele entendeu que havia muita coisa por fazer e que não daria tempo. Teria que deixar para depois.

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O trabalho intelectual gasta energia psíquica. Por isso a inteligência deve ser usada com moderação. Até certo ponto, a mente trabalha atentamente, mas as forças vão se esvaindo até o momento da desatenção total, quando a pessoa lê e não capta nada. Neste instante não adianta ler nem mais uma linha. É preciso repousar, não fazendo nada ou executando um trabalho manual.

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Há pessoas que levam tão a sério o conselho de usar a inteligência com moderação que decidem jamais utilizá-la.

Musicoterapia e música de massa

A musicoterapia é uma prática terapêutica que usa a música para tratar os distúrbios dos pacientes, ressocializá-los, aumentar sua autoestima, resolver problemas relacionados à linguagem, etc.
Nas sessões de musicoterapia, o paciente pode se deparar com várias práticas, como a improvisação vocal e instrumental, a expressão corporal baseada na música que está ouvindo, a audição simples, a música de entrada e música de saída, que marcam o tempo próprio da terapia e ajudam a acalmar o paciente agitado, o canto e outras. 
A musicoterapia serve também para restabelecer laços familiares, restaurando a convivência entre os membros da família, uma vez que a música fornece um elo afetivo entre os indivíduos. 
Esta é uma área muito interessante, principalmente se considerarmos o terrorismo musical que as grandes indústrias de massa fazem, fornecendo mundialmente o mesmo lixo para ser consumido.

domingo, 17 de abril de 2016

Impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados ou O campeonato continua

Praça do Papa, 17/04/2016,  telões, trio elétrico,  muitas camisas do Brasil, bandeiras, expectativa, mas não eram as Olimpíadas, nem o Campeonato brasileiro, nem a Libertadores. Era, por incrível que pareça, a transmissão ao vivo, direto da Câmara dos Deputados, da votação do impeachment de Dilma Rousseff. A cada voto favorável ao processo, todos vibravam como num gol da seleção brasileira, a cada voto contra, vaias, como num arremate do adversário. Foi como uma disputa de pênaltis com 513 cobranças. Em todas elas, os olhos estavam atentos, fixos, vidrados. Até que o resultado saiu. E foi uma goleada: 367 a 137, com 7 bolas foras e 2 impossibilitados. Parece que esse era o "jogo" que o Brasil precisava ganhar, depois de ver sua alegria se esvair inclusive no embate nos campos. A partida acabou, mas não o campeonato. Precisamos prosseguir, sem parar, sem precipitar e sem retroceder. E que venha o Senado!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

O impeachment vem aí

Dilma dizer que está confiante na sua vitória na Câmara é um blefe ou um sinal de desorientação total perante a realidade. Na primeira hipótese, ela está tentando aparentar segurança para conseguir reter a fuga dos últimos ratos apoiadores no navio naufragante. São as suas derradeiras bracejadas agonizantes. No segundo caso, ela simplesmente não consegue interpretar o significado dos últimos acontecimentos, como um comandante que fica no navio, não por honra, mas porque não sabe que está afundando. Seja qual for o pensamento dela, o impeachment vem aí.

Machado de Assis: a força da personalidade e a tradição familiar


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Machado de Assis perdeu a mãe quando era muito novo, perdeu o pai quando tinha 12 anos, era pobre, gago, epilético, mulato numa sociedade escravocrata, não cursou a escola regularmente, começou a trabalhar cedo numa tipografia e se tornou um dos maiores escritores que o Brasil já teve. A sua grande virada literária se deu quando passou por um problema de saúde que quase o levou à morte. Depois disso, ele escreveu Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que coloca um defunto autor para contar a história. Com essa obra, Machado transformou o romance brasileiro e não parou mais de escrever obras-primas. O Bruxo do Cosme Velho é uma prova enfática de que a personalidade é a maior força que o ser humano tem.

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Se você olha para os seus pais e fala:
- Poxa, nunca serei um intelectual, porque meu pai é um pedreiro (ou gari ou o que quer que seja) e minha mãe é dona de casa.
Você nunca prestou atenção na vida de Machado de Assis, cujo pai era um pintor de paredes, filho de escravos alforriados, e cuja mãe uma lavadeira vinda dos Açores.

A tradição familiar é importante, mas mais decisivo é o esforço pessoal.

Educação do imaginário: imagens e palavras

A palavra tem um poder ordenador. Quando uma pessoa vê muitas imagens, ela enriquece a sua imaginação, se tornando mais capaz de visualizar as cenas de um romance no momento da leitura. O romance, por sua vez, ao evocar tais imagens, ordena-lhes segundo a ordem narrativa, organizando o imaginário pessoal.


Não basta ao estudante ver muitas imagens para enriquecer o imaginário, pois ele precisa também de um princípio ordenador que as organize. Esse princípio é dado pelo texto narrativo e pelos sucessivos graus da Teoria dos Quatro Discursos.

Hoje em dia qualquer pessoa tem acesso a uma quantidade ilimitada de imagens através da Internet, mas só isso não é suficiente para que ela se torne mais inteligente, pois há uma enorme ausência do interesse pelos clássicos da Literatura ficcional. Há o material para o enriquecimento da imaginação, mas não o princípio ordenador.

Prazer sexual e felicidade da mulher


Nenhum prazer sexual se compara ao prazer de fazer uma mulher feliz. Só o vislumbre dessa façanha vale mais do que qualquer trepadinha, e ele acontece quando o homem percebe REALMENTE que o corpo da mulher que ele vê é apenas um pedaço de todo o ser imortal dela.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Introdução ao Conhecimento da Mente Humana: Capítulo Três: Fecundidade

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FECUNDIDADE
Imaginar, refletir, lembrar, eis as três principais faculdades de nossa mente. Está aí todo o dom de pensar, que precede e funda os outros. Depois vem a fecundidade, então a justeza, etc.
As inteligências estéreis deixam escapar muitas coisas, não vendo todos os lados delas; mas a mente fecunda, sem justeza, se confunde em sua abundância, e o calor do sentimento que a acompanha é um princípio de ilusão temível; de sorte que não é raro pensar muito e pouco justo.

Ninguém pensa, eu creio, que todas as mentes sejam fecundas, ou perspicazes, ou eloquentes, ou justas, nas mesmas coisas. Umas abundam em imagens, outras em reflexões, outras em citações, etc., cada uma segundo o seu caráter, suas inclinações, seus hábitos, sua força, ou sua fraqueza.

Introdução ao Conhecimento da Mente Humana - Capítulo Dois: Imaginação, Reflexão, Memória

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IMAGINAÇÃO, REFLEXÃO, MEMÓRIA
Há três princípios notáveis na mente: a imaginação, a reflexão e a memória.
Chamo imaginação ao dom de conceber as coisas de uma maneira figurada e de pensar por imagens. Assim, a imaginação sempre está relacionada aos nossos sentidos: ela é a inventora das artes e o ornamento do espírito.
A reflexão é o poder de se dobrar sobre as ideias, de examiná-las, modificá-las ou combiná-las de diversas maneiras. Ela é o grande princípio do raciocínio, do juízo, etc.

A memória conserva o precioso depósito da imaginação e da reflexão. Seria supérfluo deter-se a pintar sua utilidade incontestável. Na maior parte dos nossos raciocínios, nós não empregamos senão reminiscências; é nelas que nós nos baseamos, elas são o fundamento e a matéria de todos os discursos. A inteligência que a memória deixou de nutrir se apaga nos esforços laboriosos de suas pesquisas. Há um antigo preconceito acerca das pessoas que têm uma memória privilegiada: supõe-se que sua inteligência, aberta a toda a sorte de impressões, está vazia e só se supre tanto de ideias emprestadas porque tem poucas próprias; mas a experiência contradiz essas conjecturas com grandes exemplos. Tudo o que se pode concluir com razão é que é necessário ter a memória na mesma proporção que os outros elementos da inteligência, não caindo em nenhum destes dois vícios: a carência ou o excesso.

Tradução: Jelcimar Luiz Rouver Júnior

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Notas sobre os efeitos da música na alma

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A música pode ser usada como um entorpecente, uma bebida alcoólica, uma fuga da autoconsciência ou da dureza da vida. Há pessoas que vivem na enganação e nas trapaças e por isso precisam ficar na agitação das festas e baladas; elas não podem se defrontar com o silêncio, que faria emergir à consciência sua miséria e seus erros não confessados. Como todo entorpecente, usar a música assim é uma ilusão, porque alivia enquanto dura o efeito, mas o mal, que seria curado mediante a confissão sincera e a reciclagem da própria vida, permanece. 
Falo apenas de um uso indevido da música.


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A intensidade da ação da música sobre uma pessoa depende do tipo de música, da estrutura do ouvinte e dos outros elementos que formaram sua vida interior, como a cultura em torno. Pessoas que ouvem Heavy Metal, por exemplo, podem se tornar agressivas ou depressivas, extrovertidas ou introvertidas; a reação não é, pois, idêntica em todos, mas há um certo campo de reações possíveis perante esta ou aquela música. Pegue um grupo de cem metaleiros e um grupo de cem pessoas que só escutam músicas tradicionais folclóricas e você verá que entre os primeiros há diferenças internas, mas elas são menores se compararmos os primeiros com os folcloristas. A música dá a forma dos pensamentos e dos sentimentos e, portanto, do estilo de falar de cada um. Ela é estruturante.

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A música é a mais espiritual de todas as artes. A sua estrutura sonora age sobre o nosso espírito e pode trazer serenidade ou confusão mental. Muitos evangélicos não compreendem isso e acreditam que somente a letra importa. Daí surgem, dentro das igrejas, aberrações como funks com letras gospel, que mais atrapalham os fiéis que ajudam. Perante isso, os crentes ficam sem reação, porque, afinal de contas, a letra fala de Deus. 
Os velhos pastores que proibiam a bateria e músicas muito agitadas, embora não soubessem argumentar com os jovens, já pressentiam isto que estou dizendo.


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Na República de Platão, Sócrates e seu interlocutor chegam à conclusão de que, para a construção de uma nação perfeita, certos tipos de música deveriam ser evitados e outros estimulados. Os que usavam o modo grego mixolídio, por serem lamentosos, inúteis para as mulheres e muito mais para os homens guerreiros, deveriam ser banidos, assim como os que usavam os modos jônio e lídio, pois eram efeminados. Restavam apenas os dórico e frígio, próprios de homens valentes. Eles deveriam ser utilizados na educação do cidadão. 
Sócrates e seu amigo estavam especulando como seria uma sociedade perfeita, para ver se era possível construí-la ou não. Chegam à conclusão de que uma sociedade assim não poderia durar. Apesar disso, a investigação que fizeram nos mostra a importância da música na educação e os seus efeitos sobre a alma.

Estrutura social e ascensão cultural

Existe uma estrutura social em que o sujeito nasce sem ser perguntado. Se veio ao mundo numa família de classe baixa, que não tem nenhuma aspiração intelectual, ele receberá o impacto desse ambiente e precisará se esforçar muito para ascender ao status de elite cultural. Todos nascem sem saber, mas certas pessoas, desde criança, são estimuladas à leitura dos clássicos da Literatura, à fruição de músicas de qualidade, etc. Para elas, a ascensão é mais fácil.

Discurso e situação comunicativa

Todo discurso está inserido numa situação comunicativa, isto é, num contexto factual, cultural, social, histórico, etc. Dessa maneira, seu sentido dependerá desses elementos em torno e o trabalho do falante consistirá em estar consciente deles para produzir um discurso que diga o que ele quer, pois dizer algo fora de tempo, fora do encadeamento, fora do contexto, faz com que as palavras sejam vistas perante o que está acontecendo e signifiquem outra coisa.

Estilo, fisionomia do espírito

O estilo com que alguém fala ou escreve revela o seu espírito, pois ele é uma fisionomia bem menos enganosa que a corporal. Imitar o estilo dos outros autores por mero convencionalismo é usar uma máscara. A imitação deve ser feita com vistas à absorção das maneiras de dizer dos outros e não pode ser um fim em si mesma.

Imaginação, Literatura e Bíblia

Eu fico sem ler muitos capítulos da Bíblia durante um tempo, me contentando apenas com pequenos trechos e recitando o que já memorizei. Enquanto isso, vou copiando textos, memorizando poemas, lendo outros livros. Quando torno a ler um livro das Sagradas Escrituras, é um impacto. Vejo coisas riquíssimas que não via. Por isso, recomendo: leiam poesia, estudem Português, adquiram cultura literária para fruir melhor a Bíblia.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Introdução ao conhecimento da mente humana - Capítulo I - Da mente humana

Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues

DA MENTE HUMANA[1]
Aqueles que não podem atinar com as variedades da mente humana supõem nela contrariedades inexplicáveis. Eles se espantam que um homem vivaz não seja perspicaz; que àquele que raciocina com justeza falte juízo em sua conduta; que outro que fala com clareza tenha o espírito falso, etc. O que faz com que tenham tanta dificuldade em harmonizar essas pretensas bizarrices é que eles confundem as qualidades do caráter com as da mente e atribuem ao raciocínio os efeitos que pertencem às paixões. Eles não percebem que uma mente justa, quando comete uma falta, não o faz senão para satisfazer uma paixão, e não por carência de luz; e, quando acontece faltar perspicácia a um homem vivaz, eles não sabem que perspicácia e vivacidade são duas coisas bastante diferentes, embora semelhantes, e que elas podem vir separadas. Eu não pretendo desvendar todas as fontes de nossos erros sobre uma matéria sem limites; quando nós cremos ter a verdade em um lugar, ela nos escapa por mil outros. Mas eu espero que, percorrendo as principais partes da mente, poderei apontar as diferenças essenciais e dissipar um número muito grande dessas contradições imaginárias, que a ignorância admite. O objetivo deste primeiro livro é fazer saber, por definições e reflexões fundadas na experiência, todas essas diferentes qualidades dos homens, que estão compreendidas na denominação “mente”. Aqueles que buscam as causas físicas dessas mesmas qualidades poderiam talvez falar delas com maior segurança, se eu conseguisse nesta obra desenvolver os efeitos cujos princípios eles estudam.



[1] O termo “esprit”, utilizado por Vauvenargues, poderia também ser traduzido por “espírito” ou “inteligência”. No título desta obra, preferi traduzir por “mente”, porque o primeiro termo pareceria talvez demasiado vago e o segundo demasiado específico para o leitor brasileiro, pois hoje é comum entender-se erroneamente “espírito” como algo etéreo, sem ligação com a matéria, e “inteligência” como uma habilidade matemática, verbal, etc. No entanto, no corpo da obra alternei os três termos conforme achei mais conveniente ao caso.