1
A música pode ser usada como um entorpecente, uma bebida alcoólica, uma
fuga da autoconsciência ou da dureza da vida. Há pessoas que vivem na enganação
e nas trapaças e por isso precisam ficar na agitação das festas e baladas; elas
não podem se defrontar com o silêncio, que faria emergir à consciência sua
miséria e seus erros não confessados. Como todo entorpecente, usar a música
assim é uma ilusão, porque alivia enquanto dura o efeito, mas o mal, que seria
curado mediante a confissão sincera e a reciclagem da própria vida, permanece.
Falo
apenas de um uso indevido da música.
2
A intensidade da ação da música sobre uma pessoa depende do tipo de
música, da estrutura do ouvinte e dos outros elementos que formaram sua vida
interior, como a cultura em torno. Pessoas que ouvem Heavy Metal, por exemplo,
podem se tornar agressivas ou depressivas, extrovertidas ou introvertidas; a
reação não é, pois, idêntica em todos, mas há um certo campo de reações
possíveis perante esta ou aquela música. Pegue um grupo de cem metaleiros e um
grupo de cem pessoas que só escutam músicas tradicionais folclóricas e você
verá que entre os primeiros há diferenças internas, mas elas são menores se
compararmos os primeiros com os folcloristas. A música dá a forma dos
pensamentos e dos sentimentos e, portanto, do estilo de falar de cada um. Ela é
estruturante.
3
A música é a mais espiritual de todas as artes. A sua estrutura sonora
age sobre o nosso espírito e pode trazer serenidade ou confusão mental. Muitos
evangélicos não compreendem isso e acreditam que somente a letra importa. Daí
surgem, dentro das igrejas, aberrações como funks com letras gospel, que mais
atrapalham os fiéis que ajudam. Perante isso, os crentes ficam sem reação,
porque, afinal de contas, a letra fala de Deus.
Os velhos
pastores que proibiam a bateria e músicas muito agitadas, embora não soubessem
argumentar com os jovens, já pressentiam isto que estou dizendo.
4
Na República de Platão, Sócrates e seu interlocutor chegam à conclusão
de que, para a construção de uma nação perfeita, certos tipos de música
deveriam ser evitados e outros estimulados. Os que usavam o modo grego
mixolídio, por serem lamentosos, inúteis para as mulheres e muito mais para os
homens guerreiros, deveriam ser banidos, assim como os que usavam os modos
jônio e lídio, pois eram efeminados. Restavam apenas os dórico e frígio,
próprios de homens valentes. Eles deveriam ser utilizados na educação do
cidadão.
Sócrates
e seu amigo estavam especulando como seria uma sociedade perfeita, para ver se
era possível construí-la ou não. Chegam à conclusão de que uma sociedade assim
não poderia durar. Apesar disso, a investigação que fizeram nos mostra a
importância da música na educação e os seus efeitos sobre a alma.
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