No
livro “Filosofias da afirmação e da negação”, o Mário Ferreira dos Santos passa
em revista algumas importantes correntes filosóficas, como o ceticismo, o
relativismo, o idealismo, a fenomenologia, os pensamentos de Platão e
Aristóteles, o de Kant, buscando sempre destacar o que há de positivo e o que
há de negativo nelas, pois não há nenhuma linha de pensamento que não tenha
algo de positivo para apresentar, uma vez que mesmo as filosofias mais
negativistas se apoiam na positividade para argumentar e para existir, uma vez
que, se elas existem, alguma coisa há e não um nada absoluto.
A
obra do Mário se chama “Filosofias da afirmação e da negação” porque há
filosofias que se firmam na positividade da afirmação, enquanto outras, como o
ceticismo e o relativismo, se fundam sobre a negatividade e tendem à negação
total. Entretanto, essas filosofias negativistas, que buscam o nada, essas
filosofias niilistas, se contradizem fatalmente, pois dependem sempre de algo
positivo, afirmativo, porque a afirmação precede à negação, o ser precede ao
nada. A negação nega uma afirmação; não houvesse, portanto, afirmações,
positividades, não haveria negações. Para o Mário, as filosofias afirmativas
precisam ser preferidas, enquanto as negativistas devem ser rejeitadas, posto
que seus frutos maus já são mais do que conhecidos e só levarão a mais barbárie
e a uma degeneração ainda maior. O niilismo “profetizado” por Nietzsche
avassalou o mundo no século XX, até onde o Mário pôde ver, e prometia mais
destruições ainda, que nós estamos vendo hoje. Os corações se obscureceram e
somente um retorno ao que é firme e positivo no pensamento humano poderia
resolver o problema. Por isso, seria importante uma filosofia que absorvesse
todos os pontos positivos de todas as filosofias durante a História, rejeitando
o que elas possam ter de negativista.
Em
sua obra, composta na forma de diálogos, o Mário Ferreira dos Santos refuta o
ficcionalismo, que afirma que todas as convicções humanas e toda a realidade
que conhecemos são ficções criadas por nós mesmos. Ele mostra que, embora as
imagens da imaginação e os esquemas mentais humanos possam, de certo modo, ser
encarados como uma ficção, essa ficção tem algo em comum com uma outra suposta
ficção, que é o mundo exterior, de modo que nós podemos dizer que conhecemos
esse mundo pelo menos em parte. O Mário está argumentando em hipótese, ele não
está admitindo de fato que o mundo exterior seja uma ficção, salvo se o
pusermos perante a Realidade Suprema, isto é, o Ser Supremo, que é o único que
tem toda a Realidade em si. O Mário está apenas tomando o argumento de um ficcionalista
e o passando por uma crítica implacável. O ficcionalismo não subsiste, tanto
mais que ele não se encara como uma simples ficção, mas pretende que a sua
afirmação de que tudo seja uma ficção corresponda à verdade, sendo o seu
propugnador um homem que conhece o mundo real. Mas mesmo no ficcionalismo
poderíamos encontrar algo de positivo e útil, como a dedução de que os nossos
conteúdos mentais e mesmo o mundo exterior não têm sua razão em si mesmos, mas
radicam no Ser Supremo, de modo que aqueles seriam de certo modo ficções,
enquanto este é a Realidade.
O
Mário faz o mesmo com o ceticismo e o relativismo, que, apesar de terem
aspectos positivos, também não se sustentam. O relativismo, por exemplo, está
certo ao afirmar que o conhecimento humano é relativo ao ser humano, ou seja, é
proporcionado ao que o ser humano é capaz de conhecer, não sendo possível,
portanto, que conheçamos aquelas coisas que não são proporcionadas ao nosso
aparelho cognoscente. Por exemplo, há certas ondas sonoras que podemos ouvir,
mas há outras, que estão acima ou abaixo de certa frequência, fora do nosso
campo de captação, que não podemos captar, não nos sendo possível conhecê-las
através da experiência auditiva, embora existam. Do mesmo modo com certos
elementos visuais, que escapem às vibrações que nossos olhos podem perceber.
Isso está certo. O erro é imaginar que nosso conhecimento jamais será seguro
apenas porque não conhecemos tudo, pois o que conhecemos, conhecemos, e é
objetivamente verdadeiro.
O
idealismo não escapa da crítica do gigante brasileiro, assim como a
fenomenologia, que é um modo pré-teorético de pensar. É excelente para
descrever os fenômenos, mas, por um lado, numa de suas correntes, peca por
dizer que não conhecemos os objetos em si, mas apenas as suas aparências
fenomênicas, e, por outro, noutra vertente, erra ao desprezar a razão e afirmar
que captamos imediatamente, pelos sentidos, a essência dos objetos, dispensando
assim o trabalho da razão, a investigação, a análise, a abstração, sob a ideia de
que a razão só cria falsidades. Para o Mário, nós captamos a aparência
fenomênica dos objetos, mas somos capazes de penetrar em seu ser através do
pensamento. A fenomenologia erra, de um lado, por negar o conhecimento real dos
objetos e, de outro, por negar a validade da razão.
O
Mário também aborda a diferença gnosiológica do pensamento de Platão e de
Aristóteles, harmonizando-os. Aristóteles ensinava que o conhecimento se dá a
partir dos sentidos, numa atividade em que o sujeito cognoscente apreende as
imagens, os fantasmas, dos objetos e, através de abstrações de primeiro,
segundo e terceiro graus, elabora conceitos e chega ao conhecimento de fato.
Platão, por seu turno, falava das ideias que pré-existem ao ato de conhecer, ideias
que estão fundadas no Ser e que são “anteriores” ao mundo material. Essas ideias,
formas ou esquemas estão também esquecidas na mente humana, de modo que todo o
ato de conhecer é um lembrar-se, um recordar; são ideias que, na linguagem
poética de Platão, estão dormindo na mente humana. Se não fosse assim, não
seria possível chegar ao conhecimento de nada, uma vez que para haver o
conhecimento é necessário que haja uma semelhança entre o sujeito cognoscente e
o objeto cognoscível. Se eles fossem absolutamente diferentes não haveria
nenhum contato e não poderia haver assimilação, nenhuma conformação interior,
não material, do sujeito com o objeto. Assim, existem, na mente humana,
esquemas “a priori”, anteriores ao conhecimento. Se a cera, no pensamento
aristotélico, é aquela que recebe as impressões de objetos exteriores, é
preciso que essa cera já tenha a capacidade de receber essas impressões e ser
modelada por elas; precisa, em suma, de ter uma estrutura capaz.
É
verdade que Platão não usa o termo “a priori”, pois quem o utilizou foi Kant,
mas eu o utilizei acima como um sinônimo de esquemas mentais pré-existentes
necessários ao ato de conhecimento, sem os quais este seria impossível. Usar esse termo não quer dizer que estou
endossando o pensamento de que as ideias, as formas, os esquemas estão só na
nossa mente e não no mundo real nem no Ser Supremo, pois elas estão na mente,
na realidade e no Ser.
Desse
modo, o Mário faz a união dos pensamentos de Platão e de Aristóteles, que deram
espaço para abstrações indevidas, em que uns poderiam negar a existência das ideias
“a priori” e outros o conhecimento a partir dos sentidos. Os dois lados estão
certos, pois os dados dos sentidos despertam as ideias pré-existentes,
fazendo-nos lembrar do que estava esquecido em nós. Um ponto importante, porém,
é que o Mário não diz que ele foi o elaborador dessa união de pensamentos, nem
que qualquer um de nós deveria criar uma filosofia que o fizesse, pois, antes
mesmo de Platão e Aristóteles, Pitágoras já possuía um pensamento no qual essas
duas realidades apareciam harmonizadas. Basta, portanto, retornarmos a esse
pensamento.