Uma das coisas que me chamaram muita atenção lendo o evangelho de Lucas
é a preocupação de Deus em abençoar os pequeninos e os desprezados. Quando Deus
escolheu uma família para seu Filho, chamou uma virgem muito humilde e um
carpinteiro pobre. Quando Cristo nasceu, Deus fez questão de enviar um anjo
para anunciar a simples pastores que estavam à noite no campo. Deus está
interessado em abençoar os grandes e os pequenos, só que os pequenos, mais
freqüentemente talvez, reconhecem a sua dependência de Deus, enquanto os
poderosos e aqueles que riem agora confiam na sua própria força e desprezam o
agir de Deus em suas vidas; mas nós não pensamos assim, somos sempre pequenos e
pobres de espírito perante aquele Deus-menino que é a fonte de toda a riqueza
espiritual. Um feliz Natal a todos!
Um blog sobre coisas diversas, incluindo pinturas, músicas, literatura, política e religião.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Comentários giratórios
1 - Depois de mais de 50
anos de embargo econômico, os EUA e Cuba retomarão relações diplomáticas.
Barack Obama e Raul Castro declararam em dois discursos, pronunciados neste dia
17, a reaproximação. Segundo informações do Le Monde, quem mediou a retomada
foi o Papa Francisco. Não sei o que pensar disso, nem tenho condições de
avaliar, mas parece ser um acontecimento de grande importância; o próprio
jornal fala de "reaproximação diplomática histórica". Um preso
político norte-americano foi libertado por Cuba e três prisioneiros cubanos
pelos EUA.
2 - Lula está dizendo que
não aceitará a "pecha" que a direita está querendo colocar no PT,
isto é, que o PT é corrupto. Em seu discurso, durante o 5º Congresso do
partido, ele acusou a direita de sempre agir assim, mentindo, acusando a esquerda
de corrupção. O que Lula está fazendo é seguir aquela ordem de Lênin:
"chame-os do que você é, acuse-os do que você faz".
3 - Você que defende o marxismo saiba de uma coisa: quando o PT tiver o poder policial em suas mãos, você terá contribuído para isso, pessoas serão presas simplesmente porque foram contra o establishment esquerdista. A Unasul está sendo resgatada, o propósito do PT é também enfraquecer as polícias estaduais para fortalecer o controle deles sobre a polícia brasileira, de modo que tenha poder de repressão através da força, como é na Venezuela. O governo está tentando por todos os meios tirar as armas da população e das polícias, mas ainda dá tempo de largar o esquerdismo e combatê-lo antes que o pior aconteça.
4 - Estamos numa época muito sensualista, pelo menos as mulheres que mais fazem sucesso na música pop usam e abusam da sensualidade. Para exemplificar, basta falarmos de Lady Gaga, Kate Perry e Nicki Minaj, esta última executando performances de pornografia velada em seus clips.
5 - Evangélicos que se
preocupam muito com a letra das músicas e se esquecem da estrutura musical,
isto é, do ritmo, da harmonia e da melodia, estão ignorando uma parte
fundamental da música. A música não é boa somente por que tem uma letra boa,
sua estrutura musical também precisa ser boa.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
Improvisos no violão
Gravei uns improvisos no violão, sem compromisso, nem seriedade; ficam aí para deleite ou dores de ouvido.
Clique no link https://soundcloud.com/jelcimar-j-nior/sets/improvisos
Clique no link https://soundcloud.com/jelcimar-j-nior/sets/improvisos
O auto-engano em Pai contra mãe de Machado de Assis
Machado de Assis, no conto
Pai contra mãe, conta a história de Cândido Neves, um homem que não se fixava
em emprego nenhum, que casara com uma mulher e tivera um filho. Por causa da
sua situação financeira, ele vive o drama de ter de levar o filho para um lugar
de crianças rejeitadas, um orfanato. O pouco sustento que Cândido Neves tinha
na vida vinha de capturar escravos fugidos. Acontece que ultimamente ele não
estava conseguindo mais os parcos recursos desse trabalho. Ele então coloca o
filho recém-nascido no colo e vai entregá-lo no orfanato, mas no caminho ele
encontra com uma escrava fugida e a captura. Ainda que ela alegasse que estava
grávida e que seu senhor era mau, ele não lhe dá ouvidos. Cândido Neves,
pensando apenas na recompensa em dinheiro, a leva para seu senhor e a entrega.
Por causa das lutas no caminho, a escrava acaba abortando. Cândido Neves vai
para casa, leva de volta seu filho e se justifica interiormente dizendo que nem
todas as crianças vingam. Cândido Neves não soube se compadecer daquela escrava
que vivia um drama tão grande quanto o dele. No final das contas, ele preferiu
o auto-engano.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
sábado, 6 de dezembro de 2014
Peregrinação de Fernão Mendes Pinto
Estou lendo aqui o livro Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, um grande cronista português do período renascentista que nos narra em prosa de frases e períodos longos e harmoniosos as aventuras de viagens marítimas pelas quais passou, assim como as suas prisões e torturas que sofreu nessas navegações. É inevitável fazer um paralelo entre Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e Os Lusíadas de Camões, uma vez que ambos os livros falam desse período de viagens marítimas portuguesas, da expansão marítima de Portugal, ambos são grandes escritores que pertenceram ao mesmo período literário, por assim dizer, de modo que compartilham de características que lhes são comuns, como a amplitude dos períodos e parágrafos, a fluência das frases e orações, etc. Fernão Mendes Pinto é uma leitura muito proveitosa para enriquecimento do vocabulário, expansão das frases e melhoramento da capacidade expressiva.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Momentos da votação do PLN 36/2014 na Câmara, dias 03 e 04/12/2014
Momentos da votação do PLN 36/2014 na Câmara 03/12/2014
Falar de
corrupção, no governo do PT, é anacronismo, porque corrupção existe quando há
uma normalidade, isto é, quando tudo está funcionando normalmente e surgem,
como exceção, casos de ilegalidade. Com o PT, porém, a corrupção virou
normalidade. Ronaldo Caiado está dizendo que a presidente Dilma Rousseff será a
primeira na história mundial a contabilizar propina.
O Aécio
Neves levantou a voz contra as vaias dos petistas, que não guardavam silêncio
enquanto o senador falava. Aécio está bastante combativo e muito mais
inflamado. Só que eu gostaria de ouvi-lo falar do Foro de São Paulo. Teria sido
interessante também, se ele tivesse levantado a voz assim contra a Dilma, nos
debates presidenciais, fazendo doer os ouvidos dela com as verdades sobre o
Foro. Meus votos é que ele continue fazendo oposição e a faça cada vez com mais
intensidade.
Aloysio
Nunes foi direto ao ponto, dizendo que interpretações keynesianas fajutas,
lorotas e lorotas, devem ser rejeitadas, porque o ponto central em jogo é que a
Dilma cometeu o crime de responsabilidade orçamentária, gastando mais do que
deveria, e está agora querendo se livrar das punições da lei. Qualquer cidadão,
se incorreu em ilegalidade, deverá pagar por seus crimes. Por que então a
presidente poderia mudar a lei? Tanto mais que a suas atitudes têm caráter
pedagógico para a sociedade.
Onyx
Lorenzoni foi também preciso: o que o PT quer é deixar para o criminoso decidir
o que é crime e o que não é. Como disse Lorenzoni, é surreal. Não se remove a
lei, mas se cumpre. “Aprovar esse projeto será legitimar a irresponsabilidade”,
disse, ao que fez coro outro deputado depois.
O Dep. Antonio Imbassahy
ressaltou o valor de 700 e tanto mil reais que a Dilma estava oferecendo a cada
deputado para que pudessem anistiá-la do crime.
O requerimento foi aprovado
na Câmara dos Deputados. Houve certa confusão por causa dos procedimentos
adotados. Passou ao Senado. O Dep. Onyx Lorenzoni afirmou que os números
fornecidos pelo presidente Renan Calheiros correspondiam à totalidade da casa,
mas não estavam ali todos.
Depois de questionamentos,
Renan Calheiros levou uma aula de Roberto Caiado e outros. Depois de uma
explicação técnica, o presidente acatou a fala de Caiado.
A confusão reinou daí em
diante. Teve até um deputado que reclamou do frio, que o lugar estava como um
polo norte, um gelo e que isso era importante dizer. Outro deputado veio em
contrário e disse: “Um gaúcho reclamou da temperatura, imagina os nordestinos!”
Momentos de gracejos à
parte, uma fala recorrente dos esquerdistas dizia que a oposição ainda estava
presa às eleições. Eles estão interpretando questões de ordem e a consideração
da seriedade da questão, assim como a gravidade do que fez a Dilma, como questões
eleitorais.
A questão me parece muito
simples: há uma lei, a Dilma descumpriu a lei. A Dilma fez coisa errada e
merece punição. Todas as demais conversações são laterais.
O Dep. Domingos Sávio (PSDB –
Minas Gerais) foi muito claro e firme no seu posicionamento a respeito do
requerimento de votação nominal, assim como na sua postura no decorrer do
processo da votação. Perante toda a pressão governista sobre ele, para que não
usasse seu tempo como líder, soube encará-la e resisti-la bravamente.
O PT votou contra o
requerimento de votação nominal, expressando assim que não quer que o povo
brasileiro saiba o nome de quem votou em quê.
Um deputado apontou também
que aprovar o PLN 36/2014, que libera a presidência de sua responsabilidade
perante a lei, é abrir precedente para que os governadores e os prefeitos
também façam o mesmo.
O Sen. Randolfe Rodrigues (PSOL), com gestos grandes e cortantes, com fala enrouquecida, buscando ser
enfática, disse, disse, mas não disse nada, repetindo as mesmas palavras duas
ou três vezes na mesma frase.
O Senador Flexa Ribeiro
(PSDB/PA), apesar do nome, estava em efeito matrix, isto é, lento e devagar.
Alguém deu um aparte invocando o estatuto do idoso.
O Dep. Mendonça Filho
sugeriu que a presidente Dilma Rousseff, que convocou a mídia para fazer seus
pronunciamentos partidários, convocasse agora o rádio e a televisão para pedir
desculpas pelas mentiras que disse ao povo brasileiro.
O substitutivo foi aprovado
na Câmara dos Deputados.
Falaram de superávit
negativo, o que, para mim, é o mesmo que subir para baixo, crescer para menos.
Por fim, o projeto foi
aprovado. Eis mais um caso de impunidade, num país de mensalões, petrolões e
demais.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
Carlos
Carlos, cansado, pegou o violão e subiu até o terraço de sua casa. Galgando as escadas, chamava o seu gato para que o acompanhasse degraus acima. O bichano de quando em quando relutava, com medo daquele novo caminho, jamais trilhado. Era um felino que tinha acabado de sair da infância, sem muitas experiências, por assim dizer.
Chegando ao lugar mais alto,
ao topo da casa, Carlos procurou um canto, sentou-se e tocou alguns acordes. O
gato agora se espojava alegremente no chão, sem medo nenhum. O nosso violonista
acendeu um cigarro, tragou a primeira fumaça e relaxou, liberando um pouco da
tensão de seu corpo e de sua alma. Cantou alguma canção de Charles Trenet. Para
dizer a verdade, “Douce France” era uma de suas preferidas e uma das poucas
cuja harmonia e letra lembrava razoavelmente. Cantou também duas de outro
artista francês: “Ça ira” e “Persevère”. Passou às canções brasileiras, entoando
uma que falava sobre a necessidade de saber viver.
Havia um pouco de tristeza
nos pensamentos de Carlos. As outras pessoas estavam por aí, conquistando seus
bens, enquanto ele, nos aspectos materiais da vida, não havia feito quase
progresso nenhum. Sentia que a vida estava parada ou ele parado na vida. Mas,
na verdade, o sentimento era relativamente ilusório, porque, no fundo, ele
havia feito uma escolha, renunciando temporariamente às materialidades para
conquistar o mundo da cultura, do conhecimento, da inteligência e mergulhar no
espírito da sabedoria. Ele queria e buscava o mundo espiritual, deixando para
segundo, talvez terceiro lugar, o reino da matéria, mas tinha chegado o momento
em que a matéria clamava e exigia atenção. Carlos se angustiava. Fumou mais um
cigarro.
Levantou-se, viu a rodovia,
que se estendia diante de seus olhos. Lá andavam gracinhas muito belas, de
olhos coloridos e vivazes, saltitantes. Pessoas iam, pessoas vinham, carros
subiam e desciam os morros e o sol dourava a grama verde que deitava sobre os
morros. A lâmpada do mundo também coloria de luz as paredes lisas dos prédios
distantes e o espetáculo da tarde se pintava perante os olhos dele.
De duas em duas, garotas e
mulheres passavam próximas, indo à caminhada. Olhando a mão esquerda delas, por
questão de respeito e impecabilidade, deixava de contemplá-las mais detidamente
se encontrava uma aliança reluzente.
As pessoas modernas não se
importam, elas se esquecem; mesmo dentro das famílias há desinteresses mútuos;
os desamores se desbeijam com as inconsciências tranquilas.
Carlos sentou-se, acendeu
mais um cigarro. Quando se levantou o dia estava quase apagado. Olhou as luzes
dos postes, que se acendiam amarelas como num quadro de Afremov. A paisagem do
bairro estava pontilhada de luz. Bem longe, no meio da rodovia, um semáforo
piscava sempre a lâmpada do meio e nunca se resolvia para o verde ou para o
vermelho. Menos longe, um homem passou correndo no seu cooper provavelmente diário. As pessoas progrediam no seu caminho.
Carlos, parado, viu que um poste lutava para brilhar. Sua luz, muito tênue, era
muito menos que a luz das outras lâmpadas, que estavam em todo o seu fulgor, na
plenitude da força. Poucos segundos depois, porém, ela se esforçou e se acendeu
como devia, também somando na luminescência do quarteirão.
Carlos olhou em volta, seu
gato branco havia desaparecido como a alma do pai fantasma de Hamlet. Estava
sozinho. Pegou o violão, mudo como um maestro pensativo, taciturno como um
Beethoven já surdo, e desceu de novo para dentro, talvez sonhando alguma Ode à
Alegria no fundo da alma.
Amor - Concepções filosóficas com Olavo de Carvalho (trechos)
“Numa sociedade de coitadinhos, o amor é uma raridade.”
“O amor começa quando você entende que o outro é um
mistério inabarcável.”
“Sempre que a gente tenta corrigir uma pessoa, em muitos
casos nós estamos apenas tentando ajustar a pessoa a uma imagem que nós fazemos
dela. Isso evidentemente nunca dá certo. Eu acho que, para começar a corrigir
uma pessoa, primeiro você precisa saber o que ela realmente pode ser e o que
ela realmente quer ser. Só adianta corrigi-la em nome dessa esperança que já
está dentro dela. Eu não posso forçar uma pessoa a ser o que eu quero que ela
seja, mas eu posso ajudá-la a ser o que ela no fundo quer ser. É só isso que
funciona. Agora, quando a gente vem com uma tábua de valores prontos e já quer
ajustar o outro no código, a gente já está trocando o concreto pelo abstrato.
Você vem com o código mais maravilhoso do mundo, os Dez Mandamentos. Aí o cara
diz: isso é coisa de Deus, nós temos que obedecer, é um negócio sério, não é
para brincadeira, e eu começo a vestir os Dez Mandamentos no outro como se
fosse uma camisa de força. Então, você, na hora que fez isso, já violou os dois
primeiros mandamentos. Primeiro mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas.
Amar a Deus é o seguinte: você pára para pensar quantas vezes você pensou
coisas contra Deus, você culpou Deus do que te acontece - todo mundo faz isso.
Enquanto a gente não parar de fazer isso, é ridículo dizer que a gente está
amando Deus. Então, o mais certo é dizer: nós estamos odiando Deus na maior
parte do tempo e, ao mesmo tempo, dizendo para nós mesmo que nós deveríamos
amá-Lo. Então, nós temos que primeiro examinar a nossa mente, a nossa formação,
o nosso subconsciente, para ver quantos elementos demoníacos, de revolta contra
Deus existem ali dentro, e ir removendo
um por um. Aí você começa a aceitar o bem que Deus está te fazendo, que você
não sente no momento, porque o bem que Deus faz é a natureza das coisas, Ele
não precisa estar inventando um bem novo a cada momento; a simples existência,
que provém Dele, já é o primeiro dos benefícios; eu não poderia dar a mim mesmo
a existência. Esse é o primeiro. Então, na medida em que a gente começa a
perceber o amor divino funcionando na nossa vida, aí nós começamos a ter um
pouco de amor a Deus. Na hora em que a gente começa a ter um pouco de amor a
Deus, a gente começa a ter um pouco de amor a nós mesmos, porque todas as vezes
que você cospe em Deus você está acertando em você mesmo. Então, nós vivemos
numa espécie de sadomasoquismo permanente. Na hora em que pára esse
sadomasoquismo e você começa a ter um pouco de amor a Deus, você começa a ter
um pouco de amor a si mesmo e daí dá até para amar o próximo. Mas primeiro tem
que fazer essas coisas. Tem que limpar o ódio, limpar a revolta."
“Sem amor a Deus não tem amor ao próximo.”
“Nós só nos conhecemos através de Deus.”
“Ele [Deus] é um Eu na plenitude do termo, nós só somos
um eu por procuração.”
“Tudo que você disser diga com o coração na mão.”
"O mundo seria muito melhor se não tivesse tanta gente
querendo melhorá-lo."
Link do hangout na íntegra: Amor - Concepções filosóficas
sábado, 29 de novembro de 2014
Uma volta de bicicleta
Uns amigos têm carro; outros
não têm nada. Carlos tem bicicleta. Quando ele está com a mente abarrotada de
sons musicais que se misturam com pinturas e fotografias – quando, por exemplo,
o “Credo Niceno” começa a se misturar com o retrato da “Monalisa”, ou quando
Charles Trenet canta “Douce France” junto de uma loura totalmente nua e
ensolarada, me perdoem a indiscrição – quando isso acontece ou mil outras
combinações inusitadas, de modo que um desafogo na tranquilidade de um passeio
se faz necessário, então ele pega a sua bike
e vai guiando por aí, pedalando um pouco aleatoriamente, em busca apenas de um
refresco.
Sábado passado, por exemplo,
saiu sem saber para onde e logo se decidiu a descer até a pista que liga seu
bairro à BR, onde costumam caminhar gracinhas com roupas muito coladas, cabelos
com rabo-de-cavalo, balançando a cada passo longo e apressado. Desceu para
vê-las, não para cobiçá-las. É que a beleza faz um bem danado para a gente, e
não nego que há muito prazer para quem observa. Mas a contemplação apreciativa
sem o desejo de posse carnal do objeto belo não é cobiça, aos olhos do Carlos,
pelo menos. De modo que, de qualquer jeito, ele foi apenas aprazer-se pela vista.
Foi, mas, lembro ao leitor,
era sábado, e nesse dia, parece, as gracinhas não saem para a caminhada.
Talvez, nesse momento, elas estivessem se preparando para saídas diversas, como
aniversários, casamentos, igrejas, talvez estivessem mesmo começando um pouco
antecipadamente os “embalos de sábado à noite”, como diziam os antigos. Ele,
como não é de farra e como seu professor de filosofia tinha cancelado a aula
(sim, é no sábado à noite), decidiu tocar para a casa de um amigo.
Ele não estava. Tinha
acabado de sair com a esposa. “Tem dez minutos”, disse alguém. Foram, talvez,
visitar algum restaurante diferente ou conhecer algum lugar novo. O fato é que
ele, sem amizade e sem amor, rodou sem norte por um tempo e foi parar em frente
a uma igreja, onde a missa acontecia. Parou e ficou escutando o padre sermonear
palavras muito edificantes. Enquanto ouvia, olhava a grande escultura de Cristo
Crucificado que estava logo na entrada e se embrenhava em reflexões muito
graves e sisudas. Notou o seguinte fato: uma escultura comunica algo mais que
uma pintura, pelo simples fato de ter uma dimensão a mais, participando assim
mais inteiramente da realidade e imitando com mais proximidade o ser real de
que surgiu. Ele intuiu também que a imagem de Cristo Crucificado o colocava
espiritualmente no momento exato da crucificação, sobre o Calvário. Ele quase
chegou a ver com os olhos da cara Maria e João aos pés da cruz, viu apenas com
os olhos da imaginação. Celebrada a Comunhão, alguns fiéis vieram e tocaram as
chagas de Cristo na escultura, fizeram reverências, sinal da cruz. A liturgia
terminou, Carlos deu força nos pedais e tocou para casa, refletindo coisas
muito sérias. A mente estava meio triste, mas sossegada. E dessa maneira a
volta de bicicleta teve um fim circunspecto e pensativo.
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
Introdução ao Ocidente Medieval, Parte I.
São Jorge, Catedral de São Vitus, Praga.
Nenhum período da História Humana foi mais difamado, odiado e deturpado que a Idade Média. A simples menção ao período dito medieval evoca na mente do brasileiro médio um cenário de fogueiras, torturas e proibições. Questionado, tal sujeito demonstra claramente o maior desconhecimento e a mínima referência a livros e trabalhos sobre o tema. Quando muito, cita meia dúzia de filmes - O Nome da Rosa (1986), claro, consta sempre entre eles -, alguns artigos de revistas de autoridade duvidosa, e se aventura mesmo a jogar na cara do interlocutor a autoridade de seu professor de Ensino Médio, quando não dos "livros didáticos" aprovados pelo MEC.
Quero com este texto e os seguintes dividir com os interessados o meu conhecimento sobre o Mundo Medieval e os materiais que utilizo.
Vídeos e músicas ficam para a próxima publicação.
Leituras (iniciais) para entender a Idade Média Européia:
* Uma Longa Idade Média, Jacques Le Goff;
* A Civilização do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff;
* Uma História que Não É Contada, prof. Felipe Aquino;
* História da Igreja, Karl B., Hermann T.;
* Idade Média: a Cavalaria e as Cruzadas, Ivan Lins;
* Tristão e Isolda - texto medieval de autor desconhecido, tradução de Maria do Anjo B. Figueiredo;
* A Canção de Rolando - este épico do séc. XI existe em várias traduções, conheço as de Charles Scott Moncrief (1919) e de Jessie Croslandem inglês;
* A Divina Comédia, Dante Alighieri;
* Os Escritos de São Francisco de Assis;
* Regra das ordens de São Bento, dos Frades Menores, dos Pregadores, de São Bruno (Cartuxos) etc.;
* Imitação de Cristo, Tomás Kempis;
* O site do prof. Ricardo da Costa: http://www.ricardocosta.com/
Ademir Jr. de S. Amaral
Roberto Gomez Bolaños, o pequeno Shakespeare
Hoje, sexta-feira (28/11/2014), faleceu Roberto Gomez Bolaños, um dos atores, roteiristas, produtores mais queridos da televisão brasileira e latino-americana. Bolaños, através dos seriados Chaves e Chapolin, encheu nossa infância e adolescência de risos e gargalhadas. Muita gente adulta e idosa também não perdia suas aventuras, que eram sempre engraçadas, inteligentes, interessantes, e traziam mensagens como a solidariedade, a amizade e outros bons ensinamentos (lembram de Acapulco? O Chaves iria ficar sozinho na Vila, se não fosse o Sr. Barriga). Ninguém, na televisão que eu conheço, conseguiu produzir tantas frases de efeito, tantos encadeamentos cômicos, que chegaram a se tornar lugares comuns do humor. Não sei se ele os inventava pura e simplesmente ou se, tirando da vida popular e da literatura, os organizava de modo a alcançar tão maravilhoso efeito. Provavelmente, ele fazia os dois, o que é um trabalho, não apenas de um roteirista, mas de um escritor.
Bolaños conhecia a literatura clássica. Seus episódios dialogavam com a literatura francesa, em Cirano de Bergerac, por exemplo, com a literatura de língua espanhola, como Don Juan Tenorio e, quem sabe, a idéia de colocar um menino morando num barril tenha a ver com um certo filósofo da antiguidade grega, só para citar alguns.
Bolaños parece que tinha algum conhecimento esotérico também, cabalístico, por assim dizer. Alguém sabe a "palavra cabalística" da Bruxa Baratuxa? Alguém desconfiou dos significados dos números nas portas de cada casa da Vila? E a multidão de "CH"? Chaves, Chapolin, Chiquinha, "Chicharra paralisadora" (corneta paralisadora, no original), etc, etc. Um dia passei a madrugada pesquisando isso. Bela noite... Pelas minhas pesquisas, na cabala, a letra hebraica que corresponde ao "Ch" tem por número o 8. E não é justamente esse o número do "Chavo del 8", que tem 8 anos e mora na casa 8, porque "ninguém pode morar num barril"?
Bolaños sabia inventar e animar nossa imaginação. Eram as viagens arqueológicas às pirâmides do Egito, as tribos da América Central, como Os Discotecas, que falavam todas as palavras terminando com -eca, eram as viagens para Marte, os foguetes, os marcianos, etc, etc. Eram as pílulas que deixavam o Chapolin - e quem mais tomasse - pequeno como um polegar, eram os raios desmilinguadores, as tintas que tornavam os móveis e paredes invisíveis, o estrato de energia volátil, que fazia tudo sair voando, o próprio homem invisível, cuja presença era notada exatamente por ninguém o estar vendo, eram os criminosos mais perigosos do mundo, como o Poucas-Trancas e o Pirata Alma Negra, que tinha um ta-ta-ta-ta-ta...taraneto (são 14 tatas); eram as casas abandonadas perto da estrada, aonde chegavam homens e mulheres que tinham tido os pneus do carro furados ou a gasolina tinha acabado, eram os cachimbos com a inscrição "HHH", eram os Supersams, os despejos de casas alugadas, tiroteios, tanta coisa! É uma riqueza muito grande nas criações de Chespirito (como todo mundo sabe, "Chespirito" é uma forma espanhola diminutiva para Shakespeare).
Roberto Gomez Bolaños já está deixando saudades e vai deixar ainda mais. Que Deus o tenha e que os nossos filhos continuem assistindo às suas fantásticas aventuras. Descanse em paz, Bolaños.
Língua portuguesa e ambiente sonoro
A maneira como uma pessoa fala determina a maneira como escreve. O ambiente sonoro em torno dela também influencia decisivamente. A maneira das outras pessoas falarem afeta a sua maneira de falar e de escrever. O idioma falado pelos brasileiros, por sua vez, deteriorou-se muito e já não é o dos mestres da literatura, como Machado de Assis e Carlos Drummond. Daí que é sumamente importante ler todos os dias pelo menos um trecho desses mestres, só que em voz alta, para que as palavras deles soem aos nossos ouvidos, criando para nós um ambiente sonoro favorável.
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Estrutura das organizações e do ser humano
Numa organização, seja lucrativa ou não, há três habilidades essenciais para o administrador: habilidades técnicas, humanas e conceituais. As primeiras estão na parte inferior da hierarquia e correspondem aos cargos de supervisão. As segundas estão no meio e dizem respeito aos cargos de gerência. E as últimas estão no topo da pirâmide e nele está a alta direção da organização. Escrevi isso porque achei interessante como a estrutura de uma organização segue o mesmo padrão estrutural do ser humano, a saber, corpo, alma e espírito. As partes mais rudimentares do ser estão relacionadas ao corpo, as mais elevadas ao espírito, a alma fica no meio. Um jogador de futebol, por exemplo, utiliza-se principalmente do corpo e não depende tanto das atividades espirituais quanto um filósofo, que, por sua vez, prescinde um pouco das atividades do corpo. O que fazer com essa analogia? Caso para pensar.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Na calçada
Encontro o escritor na calçada, à noite. Passeia com a cadelinha, se não é ela que o leva a passeio, com um movimento imperativo na causa: "Pára de trabalhar, rapaz!" Vestido informalmente, nada o distingue de um homem comum. O homem comum não responderia o que ele me responde, se lhe pergunto a que hora gosta de escrever: "Não tenho hora. Eu escrevo sempre. Às vezes interrompo a escrita para fazer alguma coisa, mas volto logo a escrever."
"Ah, se eu fosse rico!", lamenta-se um; "isolava-me, assim daria minha medida." "Tão bom se eu fosse pobre", cisma aquele; "teria bastante solidão, toda a minha riqueza seria escrever." Com isto se justificam ou se iludem. Este, porém, não é rico nem pobre; tem obrigação monótona e externa, que empece tantos talentos; cumpre-a como se cumprem atos de toalete, escrupulosamente, no plano periférico; no mais íntimo, pensa no que vai escrever; escreve em branco. Não se entrega à circunstância nem à condição civil.
"Meus três livros (conta-me) foram escritos em sete meses cada um, mais quatro meses para polimento, embora o tamanho diferente deles. Foram feitos afinal em um ano, descontando-se um mês para respiração. Um deles, escrevi-o das 9 da manhã às 2 da madrugada, diariamente. Durante esse prazo, pedia que me servissem comida de pé."
Diz isso tão naturalmente que não descubro gabolice na confissão; sente-se a felicidade, não de dizer, mas de ser e fazer assim. A angústia não existe então para ele?, indago. Existe, sim. Também duvida do que escreve, depois de entregar os originais à impressão. Fica imaginando que não escreveu o que sabia ou podia, mas ao se ler impresso costuma aprovar-se, por que negar a verdade? E sonda maliciosamente a opinião do próximo, detecta reações, embora não venham a influir em nada na sua literatura. Dá-se o luxo de forçar o público a uma definição, que contudo não o atinge, em seu aquário. Atordoa, confunde, irrita, alicia, conquista. Sem fazer concessão! Aos que lhe pedem prefácio - mapa da mina, alertados de suas superpostas ou subterrâneas intenções e encantações, costuma responder: "O padeiro faz prefácio para o pão?" O público é que vem a ele, vencido, não raro contra o parecer de letrados. Há indivíduos simples que o descobrem em sua complexidade e o amam, sem luta.
"O tempo (continua) é que é meu inimigo, e eu fujo à sua dimensão. Se leio jornal, seleciono as notícias. As de atualidade mais crítica, transporto-as para dois milênios antes, ou mais. Assim os Aníbais, os Faraós assumem o lugar de X, de Y, de Z, e eu consigo isolar-me para captar o mistério do homem, no universo mágico. Porque, se os acontecimentos não me interessam, a realidade, que é mágica, me interessa muito. Este simples encontro entre nós é cheio de significação, e não foi por acaso. Viver - mas você já sabe disso - é muito perigoso..."
A cadelinha do escritor, sem impaciência, treinada para acompanhar as vigílias criativas ou meditativas, acomoda-se na calçada, enquanto ele conversa, ao jeito antigo do interior brasileiro, como se deve conversar, à margem de interesse imediato. E ela também é um dado do seu universo maravihoso, que os passantes não percebem na rua tranqüila, na plácida noite de bairro. Assim como, banhados de sorrateira claridade, não percebem, não se dão ao trabalho de perceber, no alto, na lua - quem sabe se estranha rosa?
Carlos Drummond de Andrade, em Cadeira de Balanço.
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Dica de português
Você usa a expressão "té amanhã"? "Té" é um metaplasmo (meta o quê?!). Metaplasmo vem do grego e significa transformação; diz respeito às mudanças que os vocábulos sofrem no decorrer da história. O uso de "té" só é aceitável como licença poética, isto é, em poesia, romances e conversas. Então, se você for fazer uma prova - sei lá, um concurso da vida - prefira a forma completa "Até". Mas, se for fazer literatura ou conversar pelo Facebook, fique à vontade para fazer uso inteligente do "té". Grande abraço e inté!... (opa...)
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