Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues
DA MENTE HUMANA[1]
Aqueles que não podem atinar com as variedades da mente
humana supõem nela contrariedades inexplicáveis. Eles se espantam que um homem
vivaz não seja perspicaz; que àquele que raciocina com justeza falte juízo em
sua conduta; que outro que fala com clareza tenha o espírito falso, etc. O que
faz com que tenham tanta dificuldade em harmonizar essas pretensas bizarrices é
que eles confundem as qualidades do caráter com as da mente e atribuem ao
raciocínio os efeitos que pertencem às paixões. Eles não percebem que uma mente
justa, quando comete uma falta, não o faz senão para satisfazer uma paixão, e
não por carência de luz; e, quando acontece faltar perspicácia a um homem
vivaz, eles não sabem que perspicácia e vivacidade são duas coisas bastante
diferentes, embora semelhantes, e que elas podem vir separadas. Eu não pretendo
desvendar todas as fontes de nossos erros sobre uma matéria sem limites; quando
nós cremos ter a verdade em um lugar, ela nos escapa por mil outros. Mas eu
espero que, percorrendo as principais partes da mente, poderei apontar as
diferenças essenciais e dissipar um número muito grande dessas contradições
imaginárias, que a ignorância admite. O objetivo deste primeiro livro é fazer
saber, por definições e reflexões fundadas na experiência, todas essas
diferentes qualidades dos homens, que estão compreendidas na denominação “mente”.
Aqueles que buscam as causas físicas dessas mesmas qualidades poderiam talvez
falar delas com maior segurança, se eu conseguisse nesta obra desenvolver os
efeitos cujos princípios eles estudam.
[1] O
termo “esprit”, utilizado por Vauvenargues, poderia também ser traduzido por “espírito”
ou “inteligência”. No título desta obra, preferi traduzir por “mente”, porque o
primeiro termo pareceria talvez demasiado vago e o segundo demasiado específico
para o leitor brasileiro, pois hoje é comum entender-se erroneamente “espírito”
como algo etéreo, sem ligação com a matéria, e “inteligência” como uma
habilidade matemática, verbal, etc. No entanto, no corpo da obra alternei os
três termos conforme achei mais conveniente ao caso.
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