sexta-feira, 8 de abril de 2016

Introdução ao conhecimento da mente humana - Capítulo I - Da mente humana

Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues

DA MENTE HUMANA[1]
Aqueles que não podem atinar com as variedades da mente humana supõem nela contrariedades inexplicáveis. Eles se espantam que um homem vivaz não seja perspicaz; que àquele que raciocina com justeza falte juízo em sua conduta; que outro que fala com clareza tenha o espírito falso, etc. O que faz com que tenham tanta dificuldade em harmonizar essas pretensas bizarrices é que eles confundem as qualidades do caráter com as da mente e atribuem ao raciocínio os efeitos que pertencem às paixões. Eles não percebem que uma mente justa, quando comete uma falta, não o faz senão para satisfazer uma paixão, e não por carência de luz; e, quando acontece faltar perspicácia a um homem vivaz, eles não sabem que perspicácia e vivacidade são duas coisas bastante diferentes, embora semelhantes, e que elas podem vir separadas. Eu não pretendo desvendar todas as fontes de nossos erros sobre uma matéria sem limites; quando nós cremos ter a verdade em um lugar, ela nos escapa por mil outros. Mas eu espero que, percorrendo as principais partes da mente, poderei apontar as diferenças essenciais e dissipar um número muito grande dessas contradições imaginárias, que a ignorância admite. O objetivo deste primeiro livro é fazer saber, por definições e reflexões fundadas na experiência, todas essas diferentes qualidades dos homens, que estão compreendidas na denominação “mente”. Aqueles que buscam as causas físicas dessas mesmas qualidades poderiam talvez falar delas com maior segurança, se eu conseguisse nesta obra desenvolver os efeitos cujos princípios eles estudam.



[1] O termo “esprit”, utilizado por Vauvenargues, poderia também ser traduzido por “espírito” ou “inteligência”. No título desta obra, preferi traduzir por “mente”, porque o primeiro termo pareceria talvez demasiado vago e o segundo demasiado específico para o leitor brasileiro, pois hoje é comum entender-se erroneamente “espírito” como algo etéreo, sem ligação com a matéria, e “inteligência” como uma habilidade matemática, verbal, etc. No entanto, no corpo da obra alternei os três termos conforme achei mais conveniente ao caso.

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