segunda-feira, 23 de maio de 2016

Filosofias da Afirmação e da Negação de Mário Ferreira dos Santos: uma breve resenha

No livro “Filosofias da afirmação e da negação”, o Mário Ferreira dos Santos passa em revista algumas importantes correntes filosóficas, como o ceticismo, o relativismo, o idealismo, a fenomenologia, os pensamentos de Platão e Aristóteles, o de Kant, buscando sempre destacar o que há de positivo e o que há de negativo nelas, pois não há nenhuma linha de pensamento que não tenha algo de positivo para apresentar, uma vez que mesmo as filosofias mais negativistas se apoiam na positividade para argumentar e para existir, uma vez que, se elas existem, alguma coisa há e não um nada absoluto.
A obra do Mário se chama “Filosofias da afirmação e da negação” porque há filosofias que se firmam na positividade da afirmação, enquanto outras, como o ceticismo e o relativismo, se fundam sobre a negatividade e tendem à negação total. Entretanto, essas filosofias negativistas, que buscam o nada, essas filosofias niilistas, se contradizem fatalmente, pois dependem sempre de algo positivo, afirmativo, porque a afirmação precede à negação, o ser precede ao nada. A negação nega uma afirmação; não houvesse, portanto, afirmações, positividades, não haveria negações. Para o Mário, as filosofias afirmativas precisam ser preferidas, enquanto as negativistas devem ser rejeitadas, posto que seus frutos maus já são mais do que conhecidos e só levarão a mais barbárie e a uma degeneração ainda maior. O niilismo “profetizado” por Nietzsche avassalou o mundo no século XX, até onde o Mário pôde ver, e prometia mais destruições ainda, que nós estamos vendo hoje. Os corações se obscureceram e somente um retorno ao que é firme e positivo no pensamento humano poderia resolver o problema. Por isso, seria importante uma filosofia que absorvesse todos os pontos positivos de todas as filosofias durante a História, rejeitando o que elas possam ter de negativista.
Em sua obra, composta na forma de diálogos, o Mário Ferreira dos Santos refuta o ficcionalismo, que afirma que todas as convicções humanas e toda a realidade que conhecemos são ficções criadas por nós mesmos. Ele mostra que, embora as imagens da imaginação e os esquemas mentais humanos possam, de certo modo, ser encarados como uma ficção, essa ficção tem algo em comum com uma outra suposta ficção, que é o mundo exterior, de modo que nós podemos dizer que conhecemos esse mundo pelo menos em parte. O Mário está argumentando em hipótese, ele não está admitindo de fato que o mundo exterior seja uma ficção, salvo se o pusermos perante a Realidade Suprema, isto é, o Ser Supremo, que é o único que tem toda a Realidade em si. O Mário está apenas tomando o argumento de um ficcionalista e o passando por uma crítica implacável. O ficcionalismo não subsiste, tanto mais que ele não se encara como uma simples ficção, mas pretende que a sua afirmação de que tudo seja uma ficção corresponda à verdade, sendo o seu propugnador um homem que conhece o mundo real. Mas mesmo no ficcionalismo poderíamos encontrar algo de positivo e útil, como a dedução de que os nossos conteúdos mentais e mesmo o mundo exterior não têm sua razão em si mesmos, mas radicam no Ser Supremo, de modo que aqueles seriam de certo modo ficções, enquanto este é a Realidade.
O Mário faz o mesmo com o ceticismo e o relativismo, que, apesar de terem aspectos positivos, também não se sustentam. O relativismo, por exemplo, está certo ao afirmar que o conhecimento humano é relativo ao ser humano, ou seja, é proporcionado ao que o ser humano é capaz de conhecer, não sendo possível, portanto, que conheçamos aquelas coisas que não são proporcionadas ao nosso aparelho cognoscente. Por exemplo, há certas ondas sonoras que podemos ouvir, mas há outras, que estão acima ou abaixo de certa frequência, fora do nosso campo de captação, que não podemos captar, não nos sendo possível conhecê-las através da experiência auditiva, embora existam. Do mesmo modo com certos elementos visuais, que escapem às vibrações que nossos olhos podem perceber. Isso está certo. O erro é imaginar que nosso conhecimento jamais será seguro apenas porque não conhecemos tudo, pois o que conhecemos, conhecemos, e é objetivamente verdadeiro.
O idealismo não escapa da crítica do gigante brasileiro, assim como a fenomenologia, que é um modo pré-teorético de pensar. É excelente para descrever os fenômenos, mas, por um lado, numa de suas correntes, peca por dizer que não conhecemos os objetos em si, mas apenas as suas aparências fenomênicas, e, por outro, noutra vertente, erra ao desprezar a razão e afirmar que captamos imediatamente, pelos sentidos, a essência dos objetos, dispensando assim o trabalho da razão, a investigação, a análise, a abstração, sob a ideia de que a razão só cria falsidades. Para o Mário, nós captamos a aparência fenomênica dos objetos, mas somos capazes de penetrar em seu ser através do pensamento. A fenomenologia erra, de um lado, por negar o conhecimento real dos objetos e, de outro, por negar a validade da razão.
O Mário também aborda a diferença gnosiológica do pensamento de Platão e de Aristóteles, harmonizando-os. Aristóteles ensinava que o conhecimento se dá a partir dos sentidos, numa atividade em que o sujeito cognoscente apreende as imagens, os fantasmas, dos objetos e, através de abstrações de primeiro, segundo e terceiro graus, elabora conceitos e chega ao conhecimento de fato. Platão, por seu turno, falava das ideias que pré-existem ao ato de conhecer, ideias que estão fundadas no Ser e que são “anteriores” ao mundo material. Essas ideias, formas ou esquemas estão também esquecidas na mente humana, de modo que todo o ato de conhecer é um lembrar-se, um recordar; são ideias que, na linguagem poética de Platão, estão dormindo na mente humana. Se não fosse assim, não seria possível chegar ao conhecimento de nada, uma vez que para haver o conhecimento é necessário que haja uma semelhança entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. Se eles fossem absolutamente diferentes não haveria nenhum contato e não poderia haver assimilação, nenhuma conformação interior, não material, do sujeito com o objeto. Assim, existem, na mente humana, esquemas “a priori”, anteriores ao conhecimento. Se a cera, no pensamento aristotélico, é aquela que recebe as impressões de objetos exteriores, é preciso que essa cera já tenha a capacidade de receber essas impressões e ser modelada por elas; precisa, em suma, de ter uma estrutura capaz.
É verdade que Platão não usa o termo “a priori”, pois quem o utilizou foi Kant, mas eu o utilizei acima como um sinônimo de esquemas mentais pré-existentes necessários ao ato de conhecimento, sem os quais este seria impossível.  Usar esse termo não quer dizer que estou endossando o pensamento de que as ideias, as formas, os esquemas estão só na nossa mente e não no mundo real nem no Ser Supremo, pois elas estão na mente, na realidade e no Ser.

Desse modo, o Mário faz a união dos pensamentos de Platão e de Aristóteles, que deram espaço para abstrações indevidas, em que uns poderiam negar a existência das ideias “a priori” e outros o conhecimento a partir dos sentidos. Os dois lados estão certos, pois os dados dos sentidos despertam as ideias pré-existentes, fazendo-nos lembrar do que estava esquecido em nós. Um ponto importante, porém, é que o Mário não diz que ele foi o elaborador dessa união de pensamentos, nem que qualquer um de nós deveria criar uma filosofia que o fizesse, pois, antes mesmo de Platão e Aristóteles, Pitágoras já possuía um pensamento no qual essas duas realidades apareciam harmonizadas. Basta, portanto, retornarmos a esse pensamento.

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