sábado, 3 de outubro de 2015

Recapitular para criar

A educação na China antiga baseava-se na memorização dos livros sagrados, porque os chineses os consideravam como o ápice da mais alta Literatura. Nos primeiros anos de estudo, o aluno tinha como tarefa quase exclusiva a de memorizar os trechos que o professor selecionava. O aluno pegava o livro, numa sala que poderia ser improvisada até debaixo de uma árvore, ia para o seu canto e recitava inúmeras vezes, de maneira rápida, o trecho escolhido. Quando julgasse suficiente, entrega o livro ao mestre, virava de costas e recitava-o sem nenhuma falha. Essa atividade predominava nos primeiros anos de instrução e a educação chinesa se fundamentava na absorção da linguagem literária sagrada. No final do processo educativo, um homem era considerado educado se fosse capaz de se expressar nessa mesma linguagem. Por isso, Paul Monroe chamou a educação chinesa antiga de "educação como recapitulação".
Imagina isso no Brasil hoje. O menino pega a Bíblia, vai para o canto da sala e recita um Salmo até fixá-lo plenamente na memória. Impensável para o ensino público! Memória e Religião Cristã são duas coisas que a educação brasileira despreza solenemente, não obstante toda a Literatura Ocidental estar de alguma maneira presente já nas Sagradas Escrituras.
Na China antiga, as preocupações com a sala de aula eram secundárias, mas no Brasil é o primeiro tema que os professores e afins lembram de reclamar quando se trata de melhorar a educação. Datashow, equipamento de som, quadros negros, brancos ou digitais se tornaram coisa de primeiro plano, quando, na verdade, tudo isso pertence a uma parte menor do ensino, embora tê-los, evidentemente, não seja coisa negativa.
Alguém poderia objetar também que uma educação apenas recapitulativa não é educação de verdade, porque deveria formar pessoas críticas e criativas, não meros repetidores. A questão, assim, estaria mal colocada, porque recapitular os textos sagrados não é agir meramente como uma máquina automática, mas aplicar ao aqui e agora o que de mais elevado se produziu durante milênios. Considerando, entretanto, o que essa questão pode ter de verdadeiro, posso dizer que a parte recapitulativa é indispensável para a formação de pessoas criativas e que sejam capazes de pesar com justiça o que se apresenta no dia-a-dia. É recapitulando a alta cultura que o estudante pode se preparar para compreender e produzir algo de importante na cultura de hoje. Sem isso, ele terá de reinventar a roda por diversas vezes e muito provavelmente não vai alcançar as alturas do conhecimento produzido por gigantes durante a história.
Repetir, memorizar, recapitular é, portanto, indispensável para criar e julgar justamente.

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